Nunca poderia imaginar que faria nesta maratona meu primeiro sub-4h. Explico. Tinha me inscrito ainda em maio, mas compromissos estudantis noturnos me impediram de treinar a contento. Somente no começo de julho (no frio rachar), sem musculação e nem treino de base (não daria tempo), comecei a treinar planilhado com o treinador Jota Jr. Foram 12 semanas, dentro das quais fiquei oito precavidos dias parado devido à dores estranhas na perna esquerda. No fim, consegui realizar apenas um longão (27km). Viajei pensando que perderia uma excelente oportunidade de correr muito bem uma maratona, principalmente devido as condições favoráveis de festa, clima e altimetria plana do percurso em Buenos Aires.
Eu e a Leiliane, chegamos na quinta a tarde e logo fomos fazer turismo: Congresso, Praça de Maio (acontecia um protesto pelo sumiço de uma testemunha num caso de corrupção do governo), Casa Rosada e o tal falado Café Tortoni com os seus 150 anos de tradição (comida não vale o preço).
Congresso, protesto na Praça Maio, Casa Rosada e Café Tortoni.
Hospedamos no
Ker Recoleta Hotel Spa, o qual recomendo: bom custo beneficio, atendimento excelente, spa com hidromassagem e piscina, e no dia da maratona anteciparam o horário do café da manhã. Além de sua ótima localização, entre o nobre bairro da Recoleta e a região central, relativamente perto dos pontos turísticos. Na sexta fizemos muitas coisas a pé: Avenida Alvear, Cemitério da Recoleta, Igrejas Nossa Senhora do Pilar e de San Nicolás, Faculdade de Direito, Floralis Genérica e por fim a feira da maratona.
Uma praça e o cemitério em Recoleta, Faculdade de Direito e a Floralis Genérica.
A noite fizemos algo mais tranquilo: namorar nas margens do rio de La Plata (Puerto Madero), e Puente de la Mujer, locais agradabilíssimos. Como ainda estava cedo, passamos rapidamente no cassino de Buenos Aires, entrada gratuita, mas um tanto descuidado. Importante que não perdi nenhum peso, pois não joguei... afinal, sorte no amor, azar no jogo.
Kit na mão, Ponte da Mulher, Escultura homenagem ao Tango e o Cassino.
Sábado fomos para Palermo, região bem comercial e cuidada. Caminhávamos pela Av. Córdoba para pegar um táxi, quando veio um ônibus e tivemos a coragem de subir no coletivo para ver como era a vida dos nativos. Basta depositar dois pesos (somente moedas) numa máquina registradora ao lado do motorista e pegar seu comprovante. Chegando lá, tive a certeza que a inflação atormenta os argentinos. O governo assume só 9% a.a., quanto na realidade de 25% a 30% segundo o FMI. Depois de muita andança, comprei o pouco que realmente valia a pena e fomos para Palermo Soho, região descontraída, de bares descolados e de muito agito. Tomamos um sorvete espetacular na
Freddo e voltamos pro hotel, estava esgotado e no dia seguinte tinha a marvada da maratona.
Ônibus coletivo, compras e região do Palermo Soho.
Antes da maratona não tive uma alimentação adequada, abusei das comidinhas de rua (como as empanadas da Guerrin, comidas no balcão mesmo) e fiz apenas duas refeições decente: Parrilla Peña na sexta, prato principal carne argentina, equivalente ao nosso Baby Beff em SJCampos e só fui me entupir de carboidrato no sábado a noite na
El Cuartito, uma típica e tradicional pizzaria portenha de 78 anos. Os dois locais não são muito turísticos, e sim, mais frequentados pelos portenhos (dicas de taxista), por isso acho paguei um preço justo por uma ótima comida.
Pela ordem, indicação de local e sua especialidade: carne, empanada e pizza.
Dia da prova, tempo frio, garoa. Uma caravana de táxis rumo às proximidades do
Estádio Monumental de Núñez (River Plate). Cheguei faltando poucos minutos e infelizmente as baias de ritmo para a largada não estava sendo controladas. Ao som de "
Smoke on the Water" (Deep Purple) mais de 6 mil corredores partiram de Núñez a La Boca (
Estádio La Bombonera, Boca Jrs), debaixo de uma fina chuva para retornarem vitoriosos, via Puerto Madero, horas mais tarde.
Acreditava que o meu tempo seria entre 4h15' a 4h30', combinei o horário com a Leiliane e larguei no
pace de 6'/km.
Apoio da namorada, momento antes da largada.
Notei muitas corredoras argentinas ao redor, acelerei e me mantive na frente do marcador de ritmo 6'/km. Passava por parques, monumentos e apresentações musicais. Sentia-me bem e corria prazerosamente. Assim, acelerei mais um pouco e logo ultrapassei o marcador de ritmo 5'45"/km. Prestes a completar os 10km fiz um xixi-stop de 35" e conclui a parcial em 0:56:01, pace de 5'38"/km. Mantive a pegada, passei pela famosa Av. 9 de Julho e seu Obelisco, em seguida a Av. Corrientes rumo a La Boca.
Fechei a parcial dos 15km com 01:23:13, pace 5'32"/km, tomei o segundo carbogel. A estratégia era usar quatro deles, nos km's: 5, 15, 25 e 35. Além das pastilhas de sais (Electro++) nos km's: 10 e 30. Confiei demais na organização, levei apenas dois carbogéis e contava com os quais seriam distribuídos nos km's 25 e 35, mas quando passei por estes postos (ritmo médio 5'30"/km) já havia acabado e ainda tinha mais 4 mil corredores por vir. Ainda bem que os postos de Gatorade eram numerosos, incontáveis. Tomei em todos.
Foi incontrolável passar pelo Estádio da Bombonera e da bateria de sua torcida, sem gritar: "Vai Curintia !". Como estava em território inimigo, ficou num grito só. Em seguida, entramos na região portuária, por onde a prova percorreria seus quinze demorados e chatos km's. Fechei a parcial dos 21km em 01:56:01, pace 5'31"/km e pela primeira vez comecei a pensar seriamente num sub-4h. Estava inteiro, disposto e pensava: "É só dobrar, é só manter.".
Na altura dos 25 km's, corria sem cansaço algum.
Logo após cravar 02:17:42 nos 25km, pace 5'30"/km, fui buscar pra valer o sub-4h. A música sempre será a minha principal estratégia para não deixar o ritmo cair. Até então não tinha utilizado o Ipod na prova e ao fazer disparei, tanto que achava que era muito bom pra ser verdade e que logo iria quebrar. Mas arrisquei. Passei o marcador de ritmo 5'30"/km e prometi que ficaria a sua frente até o final. Sem carbogel, recorri as bananas e uvas-passas distribuídas e também a um
wafer energético para atletas que levei, em caso de fome.
Recordo que no trecho entre os 30 a 35 km's, apertei ainda mais o ritmo. Queria ganhar tempo para em caso de quebra, ter alguns minutos para desperdiçar e tentar uma recuperação. Sei que era uma estratégia suicida, mas estava inteiro. Na verdade, não acreditava muito no que estava acontecendo, treinei e larguei pra correr a 6'/km e rodava fácil a 5'30"/km. Cravei 03:10:44 nos 35km, pace 5'26"/km, melhor trecho até então na prova. Nem vi urso nenhum... acho que pelo frio e garoa, ele estava dormindo rs.
Por fim, ao adentrar numa área verde (+/- nos 37km), um trecho de uns 4km's de caminhos tortuosos, sabia que iria conseguir o sub-4h e emocionei sobremaneira, o ritmo caiu um pouco, curtia aquele momento e passava um filme pela mente. Entrei na reta final, sem nenhuma pretensão de sprint, era só curtição. Faltava uns 500m quando vejo do meu lado o marcador de ritmo de 5'30"/km. Pra fechar com chave de ouro tinha que concluir na frente dele, disparei... e cruzei o pórtico mais feliz até hoje da minha vida. TUDO ISSO SEM ANDAR E FELIZ DO INÍCIO AO FIM!
Minha chegada (boné azul claro) em 03:51:22, feliz da vida !
Principais Parciais:
10km em 00:56:01 pace 5:38
15km em 01:23:13 pace 5:32
21km em 01:56:01 pace 5:31
25km em 02:17:42 pace 5:30
30km em 02:44:16 pace 5:28
35km em 03:10:44 pace 5:26
40km em 03:39:11 pace 5:28
Resultado: 42,195 km
em 03:51:22
pace 05:28 min/km
Colocação Geral: 2.031 de 6.211
Coloc. Categoria: 312 de 726
Álbum de fotos da prova
Pra emendar, ainda tinha o resto do domingo e a segunda-feira para não ficar parado. Só tomei um banho, almocei e fomos passear a tarde no Estádio La Bombonera e pelo Carminito. Fomos comemorar a noite (muito especial na nossa vida de casal) num interessante restaurante de carnes argentinas. Após, um último passeio pelo Obelisco, agora iluminado, onde nossa cumplicidade ficou marcada e retornamos ao hotel. Iriamos num show de Tango ou no jogo do River Plate no Monumental de Nuñez, mas daí já era demais... o guerreiro aqui merecia descanso e cuidados rs.
La Bombonera, Carminito, restaurante La Chacra e passeio noturno Obelisco.
Segunda-feira acordei quebrado, mas ainda tinha os últimos passeios. Fomos a um local de praças onde fica o prédio que por anos foi o maior da América Latina, o monumento aos mortos na
guerra das Malvinas em 1982 e a
Torres dos Ingleses. Subimos de táxi até a Praça de Maio e desta vez a Casa Rosada estava aberta para uma visitação guiada. O seu interior é tão espetacular quanto sua fachada, vale muito a pena a visita. Perto dali, entramos na Catedral Metropolitana e visitamos o tumulo do libertador da América do Sul:
José de San Martin. Por fim, voltando a pé pro hotel, passamos pela tal falada calle Florida para algumas comprinhas.
Prédio ao fundo, monumento das Malvinas, interior Casa Rosada e tumulo San Martin.
Aqui termina toda esta história, com um final melhor do que imaginava, tanto no esporte como no amor. Obrigado a todos os amigos pela força e ao Jota Júnior por sempre acreditar que daria pra fazer uma boa prova, mesmo diante das circunstâncias. Obrigado a você, Leiliane, pela sua companhia e paciência, mas sobretudo pela reciprocidade no amor. Te amo.